A ADULTIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Entre Likes, Pressões Sociais e Responsabilidade Jurídica
- Renata Vieira dos Santos

- 15 de ago.
- 3 min de leitura
A sociedade contemporânea tem enfrentado transformações profundas no modo como crianças e adolescentes se desenvolvem. Em meio à hiperconectividade e à ascensão das redes sociais, um fenômeno chama a atenção de educadores, juristas, psicólogos e também de criadores de conteúdo: a adultização precoce da infância.
Recentemente, o influenciador digital Felca — conhecido por seu conteúdo crítico e bem-humorado — publicou um vídeo que viralizou ao abordar esse tema de maneira bastante direta. No vídeo, Felca comenta casos de crianças expostas a estéticas, comportamentos e rotinas que emulam o universo adulto, como maquiagem excessiva, roupas hipersexualizadas e uma presença digital incompatível com sua maturidade emocional.
A repercussão gerou debate: até que ponto a exposição de crianças à lógica do consumo e da performance adulta é aceitável? Qual o limite entre a liberdade de expressão dos responsáveis e o dever de proteção integral à criança e ao adolescente?

O que é Adultização?
Adultização é o processo pelo qual crianças e adolescentes passam a adotar comportamentos, responsabilidades e padrões estéticos típicos da vida adulta, muitas vezes antes de estarem psicologicamente preparados para isso. Esse processo pode ocorrer de maneira sutil — como a introdução precoce à vaidade — ou de forma explícita, como quando meninas de 10 anos já se apresentam como “influencers”, realizando dancinhas sensuais, promovendo produtos e reproduzindo discursos de adultos.
No campo jurídico, a adultização deve ser vista com atenção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 17, garante o direito ao respeito e à dignidade, compreendendo a preservação da imagem, identidade e autonomia dos menores. A exposição indevida, ainda que consentida pelos pais ou responsáveis, pode configurar violação de direitos fundamentais.
A Responsabilidade dos Responsáveis
O vídeo de Felca levanta uma questão delicada: quando os próprios responsáveis promovem a exposição dos filhos nas redes, com clara intenção de gerar lucro ou fama, há ou não uma forma de exploração da imagem infantil?
A resposta, embora demande análise caso a caso, encontra amparo no art. 5º do ECA, que prevê a prevalência do melhor interesse da criança sobre qualquer outra conveniência. Quando a adultização compromete o desenvolvimento saudável, a crítica social se transforma em um alerta jurídico.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) também já se manifestou sobre os riscos da superexposição infantil, especialmente no ambiente digital, enfatizando que o direito ao brincar, ao erro, à privacidade e à construção progressiva da identidade são pilares inegociáveis.
Participação Infantil em Atividades Artísticas: O que diz a Lei?
Um dos grandes desafios atuais é a ausência de regulação eficaz e específica sobre o trabalho e a exposição de crianças como influenciadoras digitais. Muitas vezes, crianças são contratadas por marcas, realizam publiposts e participam de campanhas publicitárias sem qualquer tipo de autorização formal.
Embora não haja uma legislação específica sobre atuação de menores como “influenciadores digitais”, o tema se aproxima das normas que tratam da participação infantil em atividades artísticas. O art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que compete à autoridade judiciária disciplinar, por portaria, ou autorizar, mediante alvará, a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e seus ensaios, bem como em certames de beleza, além da entrada e permanência em locais como estúdios de TV, rádio, teatro e cinema.
Assim, mesmo que a atividade tenha caráter artístico ou publicitário, ela não pode ocorrer livremente, devendo ser analisada caso a caso, com base nos princípios do ECA e nas peculiaridades do ambiente e da atividade, como determina o §1º do mesmo artigo.
Portanto, a falta de alvará judicial específico pode configurar situação irregular, colocando em risco os direitos da criança e sujeitando os responsáveis e contratantes a responsabilização.
Considerações Finais
O vídeo de Felca, ao tratar com ironia e crítica um tema tão sensível, cumpre um papel social importante: provocar reflexão. A adultização de crianças e adolescentes não é apenas uma escolha estética ou um “estilo de vida”. É um fenômeno com implicações jurídicas, sociais e psicológicas graves, que demanda a atuação conjunta da sociedade, dos responsáveis e do poder público.
Mais do que apontar culpados, o momento é de conscientização: preservar a infância é garantir um futuro com menos traumas, menos exploração e mais dignidade.







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